Meu amigo Pedro
Quando ele subia a rua de casa, com seus passos longos e
apressados, mal sabia ele que eu estava a espia-lo por entre as grades da janela
daquele casarão antigo.Era um encontro pontual. Eu esperava ansiosa ele passar,
para então, acompanhar anônima seus passos até a nossa escola.
Ele alto, cabelo
sem corte, com um certo vazio no olhar. Era o garoto com sua mochila verde a subir
pontualmente a rua Zulmira Canavarros. Eu tinha recém me mudado para aquela casa na esquina do
cemitério que ficava a uma quadra da escola, e odiava o fato de ter que passar
pelo cemitério sozinha. Não conhecia ninguém, então ficava esperando ele passar,
para segui-lo até a escola. Ele ia à frente, e eu atrás, me esforçando para
passar despercebida.
Logo descobri que ele era da minha sala. Não conversávamos
muito na escola, mas compartilhávamos o mesmo tédio da adolescência. Aquela
rotina chata de acordar cedo, estudar, aceitar as regras dos pais, sofrer com a pressão do
vestibular, com as mudanças no corpo e com as primeiras decepções amorosas.
Engraçado que nunca fomos muito próximos enquanto
estudávamos na mesma sala, só depois de algum tempo, a vida nos aproximou de
uma maneira estranha de se entender. Eu já estava na faculdade e ele também. E mesmo depois de 5 anos, continuávamos
sendo vizinhos.
Não sei exatamente quando ele deixou de ser o garoto da mochila
verde e passou a ser o meu melhor amigo. Íamos pra todos os lugares
e becos juntos, e foram inúmeras as madrugadas em que cantamos "Proud
Mary" bêbados no karaokê do bar. Dançávamos descompassados nos shows de rock da cidade,
e não estávamos nem aí. Era divertido olhar pra ele, e por entre luzes e flashs
coloridos, vê-lo sorrir. Era a primeira vez que, estando com alguém, não sentia
necessidade de falar toda hora. O silencio não nos incomodava. Bastava a
alegria de estar juntos.
Voltávamos tropeçando pela ruas do cemitério, nos despedíamos e eu subia a rampa de casa, com muita dificuldade pois o álcool me trançava as pernas. Mas tinha uma certeza que pulsava no meu peito ...eu tinha um amigo!!! E era feliz por isso.
Voltávamos tropeçando pela ruas do cemitério, nos despedíamos e eu subia a rampa de casa, com muita dificuldade pois o álcool me trançava as pernas. Mas tinha uma certeza que pulsava no meu peito ...eu tinha um amigo!!! E era feliz por isso.
Anos depois, continuávamos compartilhando o mesmo tédio de
ser jovem, mas de uma forma diferente. Aquela insegurança quanto ao futuro, o
que esperar do mundo? De si mesmo? Aquele medo perturbador de não saber qual
caminho trilhar e onde se apoiar. Preciso terminar minha monografia, ele me
dizia. E eu, contava pra ele do meu primeiro dia no meu novo emprego. Quando a
grana era curta, e não pagava as noites regadas a rock’n’roll, sinuca e
cerveja, ficávamos sentados em frente ao cemitério. Ele, tocando I Got Stripes no violão, e eu tentando acompanhar a melodia com uma caneca do
vinho mais barato do mercadinho da esquina em uma mão e na outra um cigarro que
havia pegado escondido do meu pai. Quantos devaneios e teorias sem fim? Quantos
sonhos compartilhados?
E compartilhamos não só risadas na mesa do bar, mas também a agonia e a tristeza dos copos e noites vazias, da depressão do amanhã. Quando a alma pesava mais que o céu, e só nós compreendíamos o porquê. E foram tantos momentos ímpares que vivemos juntos que acabaram até virando músicas.
E compartilhamos não só risadas na mesa do bar, mas também a agonia e a tristeza dos copos e noites vazias, da depressão do amanhã. Quando a alma pesava mais que o céu, e só nós compreendíamos o porquê. E foram tantos momentos ímpares que vivemos juntos que acabaram até virando músicas.
E se perguntarem o que eu me lembro da minha adolescência, em um
resumo fiel das minhas lembranças, percebo que ele sempre esteve presente. Ele
sempre foi minha melhor companhia, pois não precisava esconder dele a minha
parte feia de ser. Ele conhecia minhas fraquezas e todas as minhas feridas, e
mesmo assim, gostava de mim. Eu olhava pra ele, e cantava "Pedro, onde você vai eu também vou..." sempre que estávamos indo pra algum lugar e riamos juntos.
Passou-se muito tempo, e o destino, nos afastou. Hoje
estamos há mais de 2 mil km de distancia, mas é como se ele continuasse sempre
presente. Muito raramente, quando o acaso nos permite, nos encontramos pra
saber o quanto mudamos nesse intervalo de tempo. É gratificante ver a pessoa
que ele se tornou. Repleto de planos e sonhos, profissional exemplar e tão
seguro de tudo. Fico rindo sozinha quando me lembro do quanto crescemos juntos.
Quem diria, hein? Ele cheio de prazos e reuniões, clientes e metas, tão feliz! Quanto orgulho eu tenho dele.
Estava ensaiando há tempos escrever tudo isso. Foi a
única forma que encontrei de guardar esta lembrança tão preciosa que tenho
dessa amizade incondicional, que nem o tempo e a distancia corrompe.
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