Notas sobre ela





Quando me encarei nessa foto, fiquei rindo sozinha. Olhando para ela percebi que eu tinha me transformando em uma das minhas personagens: Mercedes Ramón. 
Para quem não a conhece, brinco dizendo que Mercedes é a faxineira que trabalha para mim. É a ela quem recorro quando preciso de energia para encarar aquela bagunça que se acumula pelos cantos da casa. Mercedes sabe que a lida de quem trabalha em casa é pesada mas nem por isso precisa ser um lamento. 
Quando chega, prende o cabelo no alto para manter os fios longe do suor do pescoço, passa sem jeito um batom vermelho nos lábios feito menina quando rouba a maquiagem da mãe e por onde passa deixa um aroma com notas de alecrim e lavanda. 
Mercedes diz que para mandar a sujeira embora é preciso dançar, movimentar a energia do corpo e também do lar. Mexe os quadris enquanto dança com a vassoura, relembra das noites de verão em Cochabamba quando dançava nos braços do seu amado. Me contou certa vez que ele a deixou, partiu sem dizer adeus e que hoje resta apenas as memórias de um amor que não aconteceu. Carrega no olhar o encanto de ser sobrevivente da sua própria trajetória, de quem já conseguiu nomear e abraçar suas sombras. E com passos de cigana, quase uma feiticeira, ela rodopia pela sala varrendo a sujeira e afastando os maus espíritos com o tilintar dos seus brincos.
Olhando essa foto me lembrei de Mercedes, mas também constatei que as vezes a gente muda para continuar sendo a gente.




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