Sobre encontros e tempestades


Tinha sido uma péssima semana, a mais desafiadora deste ano que ainda nem começou direito. Me arrastava pelos dias, entre lágrimas e sorrisos rasos de quem cicla com a lua e com as marés. Quem me conhece, entende bem essa oscilação.

Tem dias em que a tempestade chega sorrateira escurecendo o céu e fazendo pesar todo o firmamento, e é nesses dias também que os mais belos milagres acontecem. É quando o divino me surpreende, se faz humano ou as vezes paisagem, música, bicho, flor. Seja lá o que for, está sempre me encantando com seus disfarces criativos e pontualmente me encontra quando eu estou há um passo de desabar.

Saímos de casa cedo. Coloquei Emicida pra tocar no celular enquanto fechava o capacete da Luma e me equilibrava na bike. “Passarinhos...Soltos a voar dispostos. Achar um ninho”, ela cantava e me pedia pra repetir a mesma música várias vezes. Eu seguia pedalando na tentativa boba de fugir das batalhas daquele dia. Parei em uma das praças que tem aqui no bairro, uma que eu nunca costumo ir.

Enquanto olhava para a Luma se balançando, uma senhora se aproximou e de mansinho foi chegando. Sentou-se no mesmo banco em que eu estava e disse:

- As nuvens estão carregadas hoje, parece que vai chover.

Olhei pra cima e embora o sol insistisse furar as densas nuvens com seus raios dourados, o céu estava realmente nublado.

- É parece que sim. Ultimamente, tem chovido bastante.

Continuei olhando pra Luma, que agora corria entre um brinquedo e outro.

A senhora deveria ter 70 anos ou mais, cabelos brancos amarrados num coque, usava uma saia longa florida. Não estava carregando nada nas mãos e não me parecia estar aguardando ninguém. Depois de um breve silêncio ela me perguntou:

- Você só tem ela?

- Sim.

Era um dia para poucas palavras e muitos pensamentos, isso explica a resposta breve e seca. Não quis prolongar muito a conversa e voltei os meus olhos para a Luma. Quem cuida de uma criança em um parque, aprende a piscar sem fechar os olhos. O relógio me lembrou quanto tempo já tinha se passado desde que saímos de casa, comecei a guardar com pressa as coisas na mochila enquanto me dirigia à Luma, falando:

- Filha, vamos... Mamãe precisa fazer o seu almoço e ainda temos que ir ao mercado. Depois tem banho e mais tarde, soneca. Vamos o seu corpinho precisa descansar !!!

Eu tenho essa mania de ficar narrando as atividades do dia, a previsibilidade da rotina me acalma quando as marés estão muito agitadas. Mas isso não fazia muita diferença pra Luma, que como qualquer criança que não quer ir embora do parquinho, corria de um lado pro outro, dificultando e atrasando a nossa partida.

Foi quando a senhora que observava tudo me surpreendeu com uma pergunta estranha:

- Você não trabalha?

Dei uma risada leve, pensando em tudo que tinha acontecido e principalmente nos tremores que senti quando me fizeram essa mesma pergunta na última entrevista de trabalho que havia participado naquela semana.

Respondi:

- Trabalho, sou mãe em tempo integral.

Ela riu também e disse:

- Sim, estou vendo. Saiba, fia...que nunca vai te faltar nada. Deus sempre cuida de quem cuida.

Levantou-se e foi embora sem que eu pudesse ter a chance de falar algo.

Eu resolvi decorar o resto do meu dia com um sorriso bobo no rosto e na alma, estampei o mantra que ganhei naquele encontro: “Deus sempre cuida de quem cuida”.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Notas sobre ela

Azeites Aromaticos